quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vergonha na cara

Manuel Alegre diz não abdicar de um "país limpo". A expressão usada nas declarações aos jornalistas foi exactamente essa, "país limpo", e é essa inflexibilidade ética que se espera de um candidato presidencial a sério.

Durante um instante, digamos cerca de quatro segundos, acreditei que Manuel Alegre decidira recusar o apoio do PS e reclamar esclarecimentos definitivos acerca das histórias da licenciatura de um conhecido estadista, do fecho da "universidade" Independente, do licenciamento do Freeport, da escritura de um peculiar apartamento lisboeta, do aterro da Cova da Beira, do sucateiro Godinho, da ascensão vertiginosa de certos vultos da PT, da ingerência política numa televisão privada, do patrocínio de ex-futebolistas para fins eleitorais e minudências similares.

Erro meu. Afinal, Manuel Alegre ‘apenas’ deseja limpar o País no que respeita aos obscuros negócios da banca. E nem todos os negócios da banca: por exemplo, não se lhe ouviu um resmungo sobre o assalto do partido do poder ao BCP, ou as célebres confusões do BPP, que Manuel Alegre publicitou há uns anos a troco de 1500 euros. Manuel Alegre só está interessado em limpar as dúvidas que versam o BPN. E nem todas as dúvidas, que ninguém deu por ele a protestar contra a nacionalização da referida instituição, ou a pedir pormenores pelo modo como a privatização falhou e pelo impacto, ainda misterioso, de semelhantes divertimentos no bolso dos contribuintes, ou até a estranhar os desmesurados elogios que, em 2008, o ex-administrador Dias Loureiro teceu ao primeiro-ministro. Manuel Alegre limita-se a reivindicar que Cavaco Silva explique os ganhos que obteve na venda de umas acções da SLN, o grupo que detinha o BPN.

Aqui há tempos, Cavaco Silva já disse umas coisas a propósito. Talvez tivesse obrigação de as desenvolver agora, talvez suponha que isso lhe prejudicaria a campanha, talvez acredite que a reeleição está garantida mesmo, ou sobretudo, se ignorar o assunto. Talvez a noção do ridículo o impeça de convocar uma conferência de imprensa em que acuse meio mundo de conspirar contra si. Não sei.

Sei que Cavaco Silva não deve desculpar-se da mais-valia conseguida numas acções com confissões de prejuízo noutras, seja porque um eventual abuso não é atenuado pelos abusos que não se cometeu, seja porque o lucro, ao contrário do que julgam os simpáticos fascistas do Bloco, não é sinónimo de má-fé ou desonestidade.

E sei que Manuel Alegre não quer o tal "país limpo" que, com voz grave, exige: o seu zelo concentra-se num pedaço pequenino do País, enquanto o resto permanece uma esterqueira pegada. Há sempre alguém que diz não? Possivelmente, mas está longe de ser o caso. Manuel Alegre diz sim ao que calha, desde que lhe convenha. O "não" ou, para usar palavras que lhe são caras, a resistência e a insubordinação servem de pechisbeques retóricos. Na prática, Manuel Alegre resiste e insubordina-se face a muito pouco, quase nada. Tecnicamente, falta-lhe um bocadinho de legitimidade para a missão higiénica a que se dispôs. Francamente, falta-lhe um bocadinho de vergonha na cara.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

...mudam-se as vontades

O antigo ministro das Finanças Campos e Cunha escreve hoje no Público um texto importante sobre o BPN. Uma vez que não tem link (é só para assinantes), deixo aqui algumas passagens:

“O importante é que não podemos somar os dois dinheiros metidos pela Caixa no BPN: como pseudodepositante para garantir a liquidez da banqueta e como garante da sua viabilidade económica. São diferentes as duas situações e só o Governo (ou a Caixa) pode esclarecer o assunto; são duas questões que devem ser respondidas de forma inequívoca.”

“Entregar durante dois anos a gestão do BPN à Caixa é errado. Não se trata de um problema da honestidade das pessoas, trata-se de um problema de confl ito de interesses.”

“Como todos os dias se diz que o BPN vai ser privatizado, todos dentro da instituição (administração incluída) estão sempre à espera de Godot. Ou seja, tudo o que é fundamental fi ca à espera do futuro accionista que nunca aparece. E quem espera desespera. E num banco quem adia perde a dobrar. E perde em cima do que já perdeu no passado. Dentro de meses ninguém conseguirá distinguir totalmente o que foram negócios trafulhas do passado, de um simples malparado que todos os bancos têm tido, de negócios entretanto realizados e que poderão vir a ser igualmente maus para o BPN.”

“Em Espanha, num passado não muito longínquo e numa situação com contornos algo semelhantes, o Estado nacionalizou todo um grupo e mandou a beautiful people para a prisão. Privatizou os cacos rapidamente e arcou com os prejuízos sem delongas. E era um governo socialista, se bem me recordo. Mas España es diferente. E, de facto, é.”

Mudam-se os tempos...

Miguel Portas, Maio de 2009: O candidato do BE às eleições europeias, Miguel Portas, no final de uma iniciativa de campanha, na Marateca, salientou que ter sido accionista do BPN não é “pecado” e que Cavaco Silva já vendeu as suas acções em 2003, pelo que a “história já é antiga” e não existe qualquer novidade. “É sabido que no BPN, muitas pessoas dos círculos do PSD e na altura do cavaquismo, quando o cavaquismo era Governo, se interessaram por esse banco, mas, também até prova em contrário ainda não é pecado ter sido accionista do BPN, coisa que actualmente o Presidente da República não é”.
Louçã, hoje: O líder do BE, Francisco Louçã, acusou hoje o Presidente da República de ter obtido um “favor” ao receber 147 mil euros por vender as 105.379 acções que detinha no BPN em 2003, depois de as ter comprado a um euro cada.

Jerónimo de Sousa, Maio de 2009: Trata-se de “uma questão do foro privado” de Cavaco Silva, afirmou Jerónimo de Sousa durante uma iniciativa da CDU que está a decorrer em Braga. Para o líder comunista “não há ali qualquer dose de ilegalidade ou de comprometimento no plano da corrupção”, salientando que “há que ter sentido da medida”, pois “foi um negócio privado”.

Definitivamente, esta gente não presta.
O problema da venda das acções que Cavaco detinha no BPN prende-se essencialmente com o lucro que ele conseguiu obter na operação, ainda por cima num curto espaço de tempo. Se em vez de ter ganho dinheiro tivesse perdido, Cavaco estaria agora a ser exaltado pelos seus e ignorado, sobre o tema, pelos adversários. Como é sabido, os portugueses são um povo que mantém, de há muito, o estigma que a Igreja medieval lançou sobre os «juros» e o «lucro» e que o socialismo actualizou, no século XIX, com a condenação das «mais-valias». Em Portugal, quem tem sucesso nos negócios é suspeito e invariavelmente, mais tarde ou mais cedo, investigado. E é também graças a esta mentalidade que o país está falido.